segunda-feira, 12 de março de 2012

Erro da Caixa faz dívida de enfermeira atingir R$ 1 bi

Banco reconheceu erro e indenizou consumidora, mas continua enviando cartas de cobrança e mantém título extrajudicial reclamando dívida de R$ 302 mil

Henry Milleo/Gazeta do Povo / Débora, com os informes da dívida com a Caixa: “Provavelmente sou uma das maiores devedoras pessoa física do país”, diz ela
Débora, com os informes da dívida com a Caixa: 
“Provavelmente sou uma das maiores devedoras pessoa física do país”, diz ela

Quando usou o limite do cheque especial para quitar contas atrasadas, a enfermeira Débora Moraes e Silva já havia ouvido falar no termo “bola de neve” para designar a possível evolução da dívida. Mas o que ela não imaginava é que um empréstimo de R$ 13 mil, tomado em 1995, se transformaria em uma dívida de quase R$ 1 bilhão.

Um erro técnico da Caixa Econômica Federal no cálculo dos juros fez a dívida tomar proporções assustadoras. Apesar de ter reconhecido o erro na Justiça e de ter sido condenado a pagar indenização no valor de R$ 10 mil à cliente, o banco continua enviando cartas de cobrança e mantém uma execução de título extrajudicial na 2.ª Vara Federal de Curitiba reclamando uma dívida no valor de R$ 302 mil – caso cobrasse a dívida cheia, o valor seria de R$ 941 milhões, montante equivalente a nove vezes o prêmio da Mega-Sena da Virada, o maior já entregue por uma loteria no Brasil. O banco não informa como chegou ao cálculo de R$ 302 mil. 

“Perdi minha cidadania. Não posso abrir conta em banco, estou desempregada e não posso comprar em lugar nenhum. Não tenho mais uma vida financeira. Provavelmente sou uma das maiores devedoras pessoa física do país”, diz Débora. 

Ela conta que usou o cheque especial em um momento de dificuldade financeira, após a falência da empresa do marido, um posto de combustíveis, então a principal fonte de renda da família. “Negociamos a dívida e pagamos algumas parcelas, mas, com o aperto, não conseguimos quitar o restante”, lembra. Para evitar a “bola de neve”, ela ingressou com um pedido de revisão contratual e redução dos juros. 

Quando deu entrada no processo, o valor da dívida contestada pelo banco era de R$ 200 mil, com valor atualizado para R$ 302 mil, segundo cálculos do banco. Pela atualização com base na tabela da Justiça Federal, o valor foi recalculado em R$ 67,3 mil. Mas, durante a tramitação do processo, a cliente passou a receber informes de que a dívida estava em níveis estratosféricos: R$ 237 milhões em 2009, R$ 435 milhões em 2010, R$ 549 milhões em 2011 e R$ 941 milhões em 2012.
Na ação, a Caixa reconheceu um erro técnico na formulação da cobrança. O juiz sentenciou o banco a retirar a incidência dos juros – considerados abusivos – e determinou o pagamento de R$ 10 mil a título de danos morais à cliente. Determinou ainda que o banco ressarcisse a autora dos custos judiciais e do pagamento de honorários advocatícios. 

O pagamento da indenização não foi executado, pois a Caixa recorreu da decisão. Mas, mesmo após a sentença e o reconhecimento do erro, o banco continuou enviando à cliente demonstrativos da dívida multimilionária.
20 mil anos

O valor da dívida quase bilionária equivale ao Produto Interno Bruto do município de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, que tem a 14.ª economia do estado. Com a renda familiar média de R$ 4 mil, advinda do trabalho do marido como autônomo, seriam necessários quase 20 mil anos para que a dívida fosse quitada, sem que a família gastasse nem um centavo sequer em qualquer outra despesa. 

De acordo com Débora, o estresse gerado pela situação desencadeou problemas de saúde, gerando um quadro de depressão.
“Me sinto refém e não consigo entender. O processo foi julgado, a Caixa admitiu que houve um erro e mesmo assim continuo recebendo as cobranças. A preocupação é saber se meu nome não está sendo usado para nenhuma ilegalidade, ainda mais em um país como o nosso, em que a corrupção está por todos os lados.”

Valor é “absurdo e intimidador”, diz Justiça
Ainda que reconheça a validade da dívida inicial da consumidora perante a Caixa Econômica Federal, a Justiça entendeu que a cobrança de valores exorbitantes configurou dano moral.
“[Os valores cobrados] foram absurdos e intimidadores. Qualquer cidadão comum, como a autora, ficaria assustado com tais valores e sofreria transtornos emocionais, psicológicos ou neurológicos. Tais valores, inclusive, tornaram impossível à autora sequer pensar em pagá-los, pois para isso uma vida não seria suficiente”, escreveu na sentença o juiz federal da 4.ª Região Friedmann Wendpap. 

Ainda que a evolução da dívida para quase R$ 1 bilhão não tenha sido feita de forma dolosa (intencional), o juiz considerou, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que o banco tem responsabilidade objetiva.
Segundo o Código, o consumidor inadimplente não pode ser exposto ao ridículo nem ser submetido a qualquer tipo de ameaça ou constrangimento em caso de cobrança de dívidas. 

O consumidor cobrado em quantia indevida tem o direito de receber em dobro a quantia paga em excesso, acrescido de juros e correção, salvo hipótese de engano justificável.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) tem jurisprudência favorável aos consumidores que foram inscritos indevidamente em cadastros de inadimplentes sem que estivessem devendo nada a ninguém. 

Responsabilidade
Em um caso recente, o Tribunal condenou por danos morais uma financeira que negativou um consumidor sem notificá-lo formalmente. A obrigação de notificar o consumidor previamente sobre inclusão no nome no cadastro de inadimplentes é da empresa mantedora do banco de dados. No entanto, o fornecedor também é considerado responsável se o registro for feito sem a prévia comunicação ao consumidor ou em caso de registro indevido. 

Segundo o Instituto Brasilei­ro de Estudo e Defesa das Rela­ções de Consumo (Ibedec), a notificação prévia do consumidor está estabelecida no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Além disto, quando o consumidor quita o débito, é obrigação da empresa baixar a negativação em até 48 horas. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou o entendimento de que a instituição credora é quem deve providenciar o cancelamento do registro quando da quitação do débito.





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Por Alexandre Costa Nascimento

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