Banco reconheceu
erro e indenizou consumidora, mas continua enviando cartas de cobrança e mantém
título extrajudicial reclamando dívida de R$ 302 mil
Débora, com os informes da dívida com a Caixa:
“Provavelmente sou uma das maiores devedoras pessoa física do país”, diz ela
Quando usou o limite do cheque especial para
quitar contas atrasadas, a enfermeira Débora Moraes e Silva já havia ouvido
falar no termo “bola de neve” para designar a possível evolução da dívida. Mas
o que ela não imaginava é que um empréstimo de R$ 13 mil, tomado em 1995, se
transformaria em uma dívida de quase R$ 1 bilhão.
Um erro técnico da Caixa Econômica Federal no
cálculo dos juros fez a dívida tomar proporções assustadoras. Apesar de ter
reconhecido o erro na Justiça e de ter sido condenado a pagar indenização no
valor de R$ 10 mil à cliente, o banco continua enviando cartas de cobrança e
mantém uma execução de título extrajudicial na 2.ª Vara Federal de Curitiba
reclamando uma dívida no valor de R$ 302 mil – caso cobrasse a dívida cheia, o
valor seria de R$ 941 milhões, montante equivalente a nove vezes o prêmio da
Mega-Sena da Virada, o maior já entregue por uma loteria no Brasil. O banco não
informa como chegou ao cálculo de R$ 302 mil.
“Perdi minha
cidadania. Não posso abrir conta em banco, estou desempregada e não posso
comprar em lugar nenhum. Não tenho mais uma vida financeira. Provavelmente sou
uma das maiores devedoras pessoa física do país”, diz Débora.
Ela conta que usou
o cheque especial em um momento de dificuldade financeira, após a falência da
empresa do marido, um posto de combustíveis, então a principal fonte de renda
da família. “Negociamos a dívida e pagamos algumas parcelas, mas, com o aperto,
não conseguimos quitar o restante”, lembra. Para evitar a “bola de neve”, ela
ingressou com um pedido de revisão contratual e redução dos juros.
Quando deu entrada
no processo, o valor da dívida contestada pelo banco era de R$ 200 mil, com
valor atualizado para R$ 302 mil, segundo cálculos do banco. Pela atualização
com base na tabela da Justiça Federal, o valor foi recalculado em R$ 67,3 mil.
Mas, durante a tramitação do processo, a cliente passou a receber informes de
que a dívida estava em níveis estratosféricos: R$ 237 milhões em 2009, R$ 435
milhões em 2010, R$ 549 milhões em 2011 e R$ 941 milhões em 2012.
Na ação, a Caixa
reconheceu um erro técnico na formulação da cobrança. O juiz sentenciou o banco
a retirar a incidência dos juros – considerados abusivos – e determinou o
pagamento de R$ 10 mil a título de danos morais à cliente. Determinou ainda que
o banco ressarcisse a autora dos custos judiciais e do pagamento de honorários
advocatícios.
O pagamento da
indenização não foi executado, pois a Caixa recorreu da decisão. Mas, mesmo após
a sentença e o reconhecimento do erro, o banco continuou enviando à cliente
demonstrativos da dívida multimilionária.
20 mil anos
O valor da dívida
quase bilionária equivale ao Produto Interno Bruto do município de Campo Largo,
na Região Metropolitana de Curitiba, que tem a 14.ª economia do estado. Com a
renda familiar média de R$ 4 mil, advinda do trabalho do marido como autônomo,
seriam necessários quase 20 mil anos para que a dívida fosse quitada, sem que a
família gastasse nem um centavo sequer em qualquer outra despesa.
De acordo com
Débora, o estresse gerado pela situação desencadeou problemas de saúde, gerando
um quadro de depressão.
“Me sinto refém e
não consigo entender. O processo foi julgado, a Caixa admitiu que houve um erro
e mesmo assim continuo recebendo as cobranças. A preocupação é saber se meu
nome não está sendo usado para nenhuma ilegalidade, ainda mais em um país como
o nosso, em que a corrupção está por todos os lados.”
Valor é “absurdo e
intimidador”, diz Justiça
Ainda que reconheça
a validade da dívida inicial da consumidora perante a Caixa Econômica Federal,
a Justiça entendeu que a cobrança de valores exorbitantes configurou dano
moral.
“[Os valores
cobrados] foram absurdos e intimidadores. Qualquer cidadão comum, como a
autora, ficaria assustado com tais valores e sofreria transtornos emocionais,
psicológicos ou neurológicos. Tais valores, inclusive, tornaram impossível à
autora sequer pensar em pagá-los, pois para isso uma vida não seria
suficiente”, escreveu na sentença o juiz federal da 4.ª Região Friedmann
Wendpap.
Ainda que a
evolução da dívida para quase R$ 1 bilhão não tenha sido feita de forma dolosa
(intencional), o juiz considerou, com base no Código de Defesa do Consumidor
(CDC), que o banco tem responsabilidade objetiva.
Segundo o Código, o
consumidor inadimplente não pode ser exposto ao ridículo nem ser submetido a
qualquer tipo de ameaça ou constrangimento em caso de cobrança de dívidas.
O consumidor
cobrado em quantia indevida tem o direito de receber em dobro a quantia paga em
excesso, acrescido de juros e correção, salvo hipótese de engano justificável.
O Tribunal de
Justiça do Paraná (TJ-PR) tem jurisprudência favorável aos consumidores que
foram inscritos indevidamente em cadastros de inadimplentes sem que estivessem
devendo nada a ninguém.
Responsabilidade
Em um caso recente,
o Tribunal condenou por danos morais uma financeira que negativou um consumidor
sem notificá-lo formalmente. A obrigação de notificar o consumidor previamente
sobre inclusão no nome no cadastro de inadimplentes é da empresa mantedora do
banco de dados. No entanto, o fornecedor também é considerado responsável se o
registro for feito sem a prévia comunicação ao consumidor ou em caso de
registro indevido.
Segundo o Instituto
Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), a notificação
prévia do consumidor está estabelecida no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Além disto, quando o consumidor quita o débito, é obrigação da empresa baixar a
negativação em até 48 horas. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou o
entendimento de que a instituição credora é quem deve providenciar o
cancelamento do registro quando da quitação do débito.
Por Alexandre Costa
Nascimento

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