Paraná é o estado do Sul com a maior
incidência de inquéritos na Polícia Federal relativos a aliciamento de mulheres
para Europa

Com a Ponte da Amizade ao fundo, embarcação cruza livremente o Rio
Paraná:
paraguaias estão entrando no Brasil de barco e levadas para a Espanha,
via Foz do Iguaçu
Foz do Iguaçu e Curitiba estão no mapa
do tráfico internacional de pessoas no Brasil. É pelos aeroportos da cidade
fronteiriça e da capital que passam a maior parte das mulheres aliciadas pelas
quadrilhas internacionais no Paraná, segundo a Polícia Federal (PF). O destino
são países da Europa (Portugal, Espanha e Itália) e América do Sul (Chile).
O delegado da PF responsável pelas
investigações de tráfico de pessoas no Paraná, Flúvio Cardinelli Garcia, diz
que denúncias sobre o embarque de vítimas aliciadas pelas quadrilhas chegam com
frequência. Os casos atendidos são de mulheres de 20 a 30 anos, de boa
aparência física, iludidas por ofertas de emprego no exterior. Algumas delas
sabem que estão sendo recrutadas para se prostituir, mas se surpreendem ao
serem escravizadas e terem o passaporte retido. “Algumas pensam em voltar, mas
tornam-se escravas sexuais”, diz Garcia.
Jornadas Transatlânticas
Pesquisa mapeia rotas principais das
vítimas de quadrilhas
As características do tráfico de
pessoas entre o Brasil e a Europa estão descritas em um estudo feito pelo
International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), entre agosto e
setembro de 2009, em parceria com a Secretaria Nacional de Justiça, do
Ministério da Justiça.
A pesquisa Jornadas Transatlânticas,
realizada com base em 84 entrevistas com policiais, procuradores e funcionários
de organizações nãogovernamentais (ONGs), indica que Espanha, Portugal e Itália
estão entre os países mais procurados pela rede de traficantes pela facilidade
do idioma. Em alguns casos, esses países são usados como ponte para se chegar à
Suíça, onde o programa sexual custa cerca de 150 francos suíços. Na Europa a
média paga é de 50 euros.
A pesquisa traz números sobre mulheres
deportadas na Europa, com base nos casos registrados no Aeroporto Internacional
de Guarulhos, em São Paulo.
O Paraná aparece como o quarto estado
quanto à origem das vítimas deportadas, segundo a pesquisa. Os primeiros são
Goiás, Minas Gerais e São Paulo.
A busca pelo glamour e o desejo de
melhorar o padrão de vida são fatores que levam as mulheres a serem vítimas do
tráfico humano, conforme o levantamento. Os policiais entrevistados argumentam
que uma das estratégias usadas pelos aliciadores para convencer as mulheres
passa pelo luxo: eles as levam ao cabeleireiro, em lojas de roupa e
restaurantes refinados.
Outro dado preocupante refere-se à
conivência familiar. Há mães cientes quanto à mudança das filhas para a Europa
para atuar no mercado do sexo, segundo a pesquisa. A família apoia a decisão
porque vê na viagem das filhas oportunidade para conseguir uma renda extra e
prosperar. (DP)
Burocracia
Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico no
Paraná não saiu do papel
A implantação de núcleos de
enfrentamento nos estados e de postos avançados em municípios faz parte da
política do governo federal para coibir o tráfico de pessoas. No entanto, há
atraso no funcionamento de alguns núcleos. Outro problema é que os núcleos e
postos hoje são realidade na minoria dos estados e municípios brasileiros.
Atualmente, os núcleos funcionam nos estados de Goiás, Pará, Pernambuco, Rio de
Janeiro, São Paulo e Acre.
No Paraná, o Núcleo de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas não saiu do papel ainda, apesar do convênio assinado dia 27
de dezembro do ano passado entre o governo do estado e a Secretaria Nacional de
Justiça. Segundo a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju),
as atividades do núcleo ainda não começaram porque os recursos federais não
foram repassados.
O Brasil promulgou o Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em 2008 com ações, diretrizes e políticas
para coibir o problema, mas a própria legislação dificulta o combate a esse
tipo de crime. O artigo 231 do Código Penal, que tipifica o tráfico
internacional de pessoas, menciona apenas a exploração sexual e não contempla o
trabalho escravo e aliciamento para fins de emigração. (DP)
No Sul do país, o Paraná é o estado com
o maior número de inquéritos abertos por tráfico de pessoas, entre 1990 e 2009,
segundo a PF. São 39, contra 6 em Santa Catarina e 28 no Rio Grande do Sul. No
Brasil, o crime é mais incidente em Goiás, onde no mesmo período foram
instaurados 143 inquéritos. Entre 2004 e 2009, a PF fez 18 operações para
combater o tráfico de pessoas. As ações resultaram em 138 prisões, no Brasil e
no exterior.
Rotas regionais
Na Tríplice Fronteira, o tráfico
envolve brasileiras, paraguaias e argentinas. A polícia já identificou
quadrilhas que levam argentinas a Santa Catarina e brasileiras ao Paraguai. Na
mão inversa, paraguaias entram no Brasil para serem levadas para a Espanha, via
Foz do Iguaçu.
Para burlar a fiscalização nas aduanas,
os aliciadores usam os rios Paraná e Iguaçu. A qualquer momento é possível
fazer uma travessia de barco, que dura dez minutos, do Paraguai para o Brasil
ou para a Argentina.
Nos últimos meses, o Consulado
Brasileiro no Paraguai atuou, junto com a polícia local, em duas situações de
resgate de adolescentes brasileiras em colônias brasiguaias. Uma na cidade de
San Alberto e outro, mais recente, em Los Cedrales. Duas adolescentes de 13
anos, em situação de risco, foram trazidas para as famílias em Foz do Iguaçu. O
delegado da PF em Foz do Iguaçu, Reginaldo Batista, diz que a polícia encontra
dificuldade para atuar na fronteira em razão da falta de denúncias.
Quando resgatadas, as aliciadas pelas
quadrilhas encontram refúgio em ONGs. Kiara Heck, psicóloga especializada no
atendimento de vítimas, diz que os casos atendidos, inicialmente, envolvem
prostituição, dependência química e violência. No entanto, ao se investigar com
mais profundidade a situação da vítima, é comum caracterizar a prática do
tráfico humano. “Muitas vezes elas não se consideram vítimas”, diz Kiara.
Geralmente, as mulheres caem na rede do
tráfico a partir de uma falsa promessa de emprego ou de relacionamentos
afetivos com aliciadores. Para Kiara, é necessária mais atenção do poder
público no atendimento às vítimas. Hoje parte deste papel é cumprido pelas
ONGs.
Seduzida por falso namorado
Aos 16 anos, Flor de Lis (nome
fictício) apaixonou-se por um homem gentil e galanteador. O namoro foi marcado
por muito carinho e flores. Um dia, o namorado a convidou para conhecer um
local de praia. Lá, Flor de Lis fez passeios, divertiu-se e foi levada a uma
festa, em um lugar que ficava em uma montanha. Ao chegar, a menina deparou-se
com mulheres tristes e vestidas com roupas vulgares. Ao subir uma escadaria,
foi agredida por um homem e trancada em um quarto. Lá foi obrigada a consumir
drogas e fazer seu primeiro programa.
Ela diz ter ficado anos sem contato com
o mundo externo e quando conseguiu se livrar dos traficantes, teve muita
dificuldade de encontrar ajuda. Hoje, aos 45 anos, Flor de Lis faz tratamento
contra a aids e dependência química.
Por Denise
Paro
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