Estremecimento da relação com o Congresso coloca Dilma diante de uma
encruzilhada: entrar em guerra com os partidos, repactuar a relação com as
legendas parceiras ou apenas acalmar os descontentes com a distribuição de
benesses

A saída que Dilma encontrar para enfrentar a crise
com o Congresso poderá definir o rumo de seu governo até o fim. Por
enquanto, ela dá sinais de que irá seguir no endurecimento da relação
com o Legislativo, o que pode levar à constante instabilidade na votação
de projetos importantes para o Planalto
Enfrentando um forte abalo na relação com a base aliada no Congresso, a
presidente Dilma Rousseff tem pela frente três opções para tentar superar a
crise – entrar em guerra aberta contra o fisiologismo partidário, repactuar a
relação com as legendas parceiras ou apenas acalmar os descontentes com uma
redistribuição de cargos e emendas. Qualquer decisão vai gerar efeitos
colaterais e, por outro lado, definir a trilha política do governo até 2014.
Até o momento, Dilma dá sinais de que vai continuar com o endurecimento
das relações com os parlamentares, numa sequência da “faxina” que levou à
demissão de sete ministros de seis siglas diferentes envolvidos em suspeitas de
corrupção. A estratégia desencadeou uma série de derrotas legislativas, que
começou há duas semanas com o veto do Senado à recondução do diretor-geral da
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo.
Anteontem, na Câmara dos Deputados, uma ação liderada pelo PMDB levou ao
adiamento da votação da Lei Geral da Copa no plenário. Na Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ), houve a aprovação de três propostas contrárias à orientação do
Palácio do Planalto: a transferência da competência sobre a demarcação de
reservas indígenas, terras quilombolas e áreas de preservação ambiental do
Poder Executivo para o Congresso.
Em outras comissões, foram definidas a convocação da ministra do
Planejamento, Miriam Belchior, para prestar esclarecimentos sobre concursos
públicos e convites para participação em audiências públicas do ministro da
Fazenda, Guido Mantega, e do presidente da Comissão de Ética Pública da
Presidência da República, Sepúlveda Pertence.
Sem trégua
Ontem, após o auge da “rebelião” da base, Dilma não fez gestos em
direção a uma trégua. O líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), subiu o tom e
disse que a base não pode “enfiar a faca no pescoço do governo” ao condicionar
a votação da Lei da Copa à aprovação do Código Florestal – uma das
reivindicações dos dissidentes. Já o presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS),
negou que as dificuldades nas votações tenham ligações com o “toma-lá-dá-cá”
que envolve a reivindicação por cargos.
“Sem dúvida, há uma crise. Mas ela pode ser superada com pequenos
gestos. Às vezes, só um pouco de atenção já dissipa as nuvens negras”, afirmou
o vice-líder do governo na Câmara, Alex Canziani (PTB-PR). Os petebistas
estiveram entre as cinco legendas governistas que causaram a obstrução da
votação da Lei Geral da Copa ao lado dos oposicionistas DEM e PPS e do
“independente” PSD.
Para o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), os problemas com a base não
são uma “novidade”. “O problema continua sendo uma parcela do Congresso que se
comporta muito mal, que coloca em todos os momentos questões relacionadas a
cargos e verbas acima do interesse nacional”, declarou o petista.
Nesse jogo, optar por manter o modelo atual de coalizão – com o apoio de
80% dos senadores e deputados em troca de espaços no Executivo – é a saída mais
arriscada para Dilma.
O cientista político Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa de
São Paulo, avalia que o formato está esgotado. Segundo ele, a base de apoio
atual está “inchada demais” e é fruto de uma evolução das costuras feitas pelo
ex-presidente Lula durante o escândalo do mensalão, em 2005. “Nessa época, o
Lula precisou de uma composição com partidos como o PMDB para manter o mandato.
Depois, esse grupo cresceu para que ele fosse reeleito. Por último, aumentou
ainda mais para eleger a Dilma. O problema óbvio é que não há espaço para toda
essa gente no governo”, opina Melo.
Para ele, a melhor saída pode ser um novo pacto com uma base mais
enxuta. “A questão é que o governo está totalmente atrapalhado. Não dá para
acuar um leão sem armas para se defender, é pedir para levar um contragolpe.”
Já o cientista político Antonio Flávio Testa, da Universidade de
Brasília, afirma que Dilma tem instrumentos para tentar dar um basta à
fisiologia dos aliados. “A corda dela é bem menos elástica que a do Lula. Com a
opinião pública e a economia ao lado da presidente, Dilma pode continuar fazendo
um jogo duro”, aposta Testa.
Viagens de Dilma e Michel Temer dão tempo ao governo
Os desentendimentos do governo com a base aliada no Congresso vão
passar por uma trégua forçada, graças à viagem da presidente Dilma Rousseff
para a Índia na próxima semana. Ela vai participar de uma reunião com chefes de
Estado dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Como o
vice-presidente Michel Temer também estará fora do país no período (em visita à
Coreia do Sul), o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS),
ficará como interino.
A situação deve impedir a votação de temas polêmicos no plenário da
Casa, como a Lei Geral da Copa. A tendência é que a apreciação da proposta seja
jogada ainda mais para frente, possivelmente para depois da Páscoa (8 de
abril). Até lá o governo vai precisar trabalhar para desvincular essa votação
do projeto do novo Código Florestal – ruralistas, evangélicos e governistas
descontentes só aceitam votar o texto com regras para a Copa depois da
apreciação da lei ambiental.
No Senado, a situação pode se complicar com a migração dos sete membros
do PR para a oposição. Até agora, o grupo não votou contra o governo, mas ainda
cobra o direito de nomear um novo nome para o Ministério dos Transportes.
Por André Gonçalves
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