Curitiba abriga hoje 2,7 mil índios espalhados pela maioria dos
bairros. A quarta maior concentração da capital fica na aldeia Kakané Porã
A índia Santina
Inácio Elias ocupa o tempo com a confecção de cestos em Kakané Porã
Longe das aldeias e do habitat de seus ancestrais, os índios que hoje vivem em
Curitiba se espalham por 72 dos 75 bairros existentes. Com uma população
estimada em 2.693 pessoas pelo IBGE, os indígenas representam pouco mais de
0,15% dos 1,7 milhão de moradores da capital. Dispersos no meio urbano, os
índios estão mais concentrados na Cidade Industrial (318), Sítio Cercado (238),
Cajuru (152), Campo do Santana (133) e Alto Boqueirão (114). Para o líder
kaingangue Alcino Kakupri, esses dados são exemplo de que o índio é “um
estrangeiro em sua própria terra”.

No entanto, para amenizar o impacto sociocultural, desde 2008, mais de
140 índios vivem em Kakané Porã, a primeira aldeia urbana da Região Sul e a
terceira do país, formada por casas de um conjunto habitacional da Companhia de
Habitação Popular de Curitiba (Cohab) situado no bairro Campo do Santana.
Muitos moradores vieram de aldeias do interior do Paraná e do Rio Grande do
Sul. E a adaptação não foi fácil, confessa o cacique Carlos “Kajer” dos Santos,
47 anos, ao lembrar-se da sua trajetória antes de sair do Parque do Cambuí,
localizado na Região Metropolitana.
Kajer recorda do dia em que o grupo chegou à aldeia para ocupar as casas
oferecidas pela Cohab. “Fomos recebidos com protestos, mas só queríamos ter uma
moradia digna”, lamenta. Para o filho Carlos Ubiratan dos Santos, 25 anos, o
preconceito sentido anteriormente não existe mais. “Tenho muitas saudades.
Gostaria que meu filho estivesse lá [em Mangueirinha, onde o pai nasceu], mas
não tínhamos mais oportunidade por lá.”
Perfil da aldeia
Assim como o grupo – composto por membros das tribos kaingangue, guarani
e xetá –, o engenheiro agrônomo e indigenista Edívio Batistelli também vê a
dispersão como um fator social e econômico. Os índios saem do aldeamento rural,
principalmente, em busca de comércio para os produtos artesanais e educação. A
criação da aldeia urbana Kakané Porã – ou “fruto bom da terra” – surgiu
exatamente para agregar os povos migrantes.
Para Batistelli, a constituição da aldeia urbana possibilitou aos índios
oportunidades – artesanais ou não – e o retorno para o ambiente coletivo, onde
é possível dividir com o grupo as dificuldades de viver em uma cidade. “Na
medida que se aproximam, é bom para todos. A sobrevivência do índio depende do
conhecimento.”
Atualmente, 35 famílias vivem em uma área de 44 mil metros quadrados da
Kakané Porã. Além das casas coloridas, que abrigam – na maioria delas – peças
de artesanato expostas nas paredes, o conjunto habitacional tem uma praça. No
centro, uma oca de madeira serve para cultos e apresentações culturais. Para
orgulho do vice-cacique Alcino Kakupri, o conjunto tem o objetivo de ensinar a
tradição indígena para os mais jovens e manter os costumes entre os mais
velhos.
A maioria vive do artesanato, como é o caso da sogra de Kakupri, Santina
Inácio Elias, 57 anos, que veio de uma aldeia em Nonoai, no Rio Grande do Sul.
Ela faz cestos que são vendidos no bairro e em feiras no centro de Curitiba.
Diariamente, Santina ocupa o tempo com a raspagem da taquara, a tintura da
fibra e o enlace do material. O marido, porém, é padeiro há 20 anos. Assim como
ele, um vizinho rendeu-se à vida urbana e virou motorista de ônibus. E por aí
vai. Para Kakupri, muitos dos jovens – que estudam em escola regular – sonham
com a faculdade. E ele mesmo é produto da aldeia urbana, formado em Enfermagem,
Teologia e Direito.
Por Aline Peres
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