Aumento na burocracia já atrasa vendas para o país vizinho, que no
ano passado importou US$ 1,78 bilhão de mais de 500 empresas paranaenses

Linha de produção da Soft Sistemas Eletrônicos:
vendas para a Argentina,
que compra até 20% da produção da empresa,
estão travadas desde o início do mês
As novas restrições do governo argentino à importação, que entraram em
vigor no início do mês, afetam mais de um quarto das companhias exportadoras do
Paraná. Das 1.944 empresas paranaenses que venderam produtos para o exterior no
ano passado, 518 (27% do total) têm clientes na Argentina e, portanto, estão
sujeitas às novas regras do país vizinho – normas que já atrasam, e podem até
interromper, a entrada de produtos estrangeiros em território argentino.
A escalada protecionista põe em risco quase US$ 2 bilhões por ano em
receitas de exportação. Segunda maior compradora de produtos do estado, atrás
apenas da China, a Argentina importou US$ 1,78 bilhão em produtos paranaenses
em 2011, o equivalente a 10,2% de tudo o que o Paraná vendeu ao exterior,
segundo o Ministério do Desenvolvimento (MDIC).
Diferentemente dos chineses, que preferem commodities agrícolas, os
argentinos compram do Paraná basicamente produtos industrializados. Por isso, o
maior impacto das barreiras comerciais recai sobre a indústria, que, antes
mesmos dos novos obstáculos, já enfrentava dificuldades crescentes para vender
seus produtos no exterior.
Vários ramos da indústria estadual têm na Argentina um mercado
relevante, entre eles os fabricantes de veículos e autopeças (responsáveis por
mais de 60% das vendas paranaenses ao país), eletrodomésticos de linha branca,
máquinas agrícolas e papel. Empresas como Renault, Volkswagen, Volvo, Klabin,
Electrolux e Case New Holland estão entre as que mais exportam para o país
vizinho.
Desde o dia 1.º, os importadores argentinos, que antes tinham quase
todas as compras liberadas automaticamente, têm de apresentar uma declaração
juramentada à Administración Federal de Ingressos Públicos (Afip, equivalente à
Receita Federal) e enviar um e-mail ao secretário de Comércio Interior,
Guillermo Moreno, indicando os detalhes de cada importação que desejam fazer. A
transação só será autorizada se e quando a documentação for aprovada – e o
governo argentino não diz que critérios são usados na avaliação dos pedidos.
Atrasos
No início da semana, o embaixador da Argentina no Brasil, Luis María
Kreckler, disse que é cedo para discutir atrasos, pois as medidas acabam de ser
implementadas. Mas não é difícil encontrar quem esteja esperando mais que o
habitual para fechar negócio. “Antes a autorização saía em dois ou três dias.
Agora estamos desde o início do mês sem conseguir mandar mercadorias para lá”,
conta Thiago Camargo, gerente comercial da Soft Sistemas Eletrônicos, que produz
componentes automotivos em Curitiba e Pato Branco (Sudoeste do estado).
Desde o início das restrições, a empresa deveria ter enviado à Argentina
2,6 mil kits de travas elétricas, 4,5 mil chicotes (cabos) para vidro elétrico
e 2 mil módulos de levantamento de vidro. “E a autorização solicitada pelo
nosso importador na Argentina simplesmente não sai”, diz Thiago. De 15% a 20%
da produção da Soft é vendida para o mercado argentino.
Há empresas em situação mais dramática. Cerca de 90% do faturamento do
escritório de exportação DDB, de Curitiba, que negocia componentes automotivos
feitos no Paraná e em São Paulo, vêm de vendas feitas ao país. “Já deveria ter
despachado duas cargas neste mês. O mais desesperador é que nenhuma autoridade
argentina consegue passar informações concretas sobre a análise dos pedidos”,
diz Cleny Felipe Godoi, gerente de exportação da DDB.
Pressionadas, empresas deslocam parte da produção
Há vários anos a Argentina vem erguendo barreiras não tarifárias com o
intuito de frear as compras de produtos brasileiros e, assim, acabar com o
déficit no comércio bilateral – o último superávit argentino nessa relação
ocorreu em 2003. Antes das novas medidas, os argentinos já haviam criado
obstáculos contra eletrodomésticos de linha branca, máquinas agrícolas, pneus e
calçados, entre outros.
Trata-se de uma espécie de chantagem, uma tentativa de atrair
fabricantes ao território nacional, igual à que o Brasil faz ao elevar
substancialmente a tributação de carros importados. E, em muitos casos, funciona.
No ano passado, a Case New Holland (CNH), que abastecia o mercado argentino com
colheitadeiras fabricadas em Curitiba, anunciou a construção de uma fábrica em
Córdoba meses depois de ter centenas de máquinas bloqueadas na fronteira. Uma
das dez empresas paranaenses que mais exportam para Argentina, a CNH não
informou se está tendo algum tipo de problema com a barreira mais recente.
No ano que vem, a multinacional japonesa Jtekt vai transferir para sua
fábrica de Buenos Aires cerca de 20% da produção de sistemas de direção que
hoje é feita em São José dos Pinhais (Região Metropolitana de Curitiba). A
decisão foi tomada ainda em 2010, segundo o diretor comercial e de engenharia
para o Mercosul, Lucio Pinto. Os sistemas de direção para os modelos Toyota Hilux
e GM Agile, hoje exportados para a Argentina, serão produzidos lá mesmo – o que
pode até resultar em demissões na fábrica paranaense.
Nem essa decisão deixou a empresa imune às novas barreiras. Exportar está
difícil desde o fim de dezembro, segundo o diretor comercial. “Chegamos a ter
três contêineres parados. Na semana passada, nossa fábrica em Buenos Aires, que
recebe alguns componentes feitos aqui no Paraná, chegou a parar por falta de
peças”, diz o executivo. Cerca de 10% da produção de cremalheiras, válvulas e
tubos cilíndricos de São José é exportada para a unidade argentina.
Pela culatra
A situação descrita pelo diretor da Jtekt mostra que a adoção de
licenças não automáticas prejudica alguns setores da própria indústria
argentina. que estão ficando desabastecidos. “O tiro vai sair pela culatra.
Isso fica muito evidente no setor automotivo argentino, que mantém um
intercâmbio muito grande com o Brasil”, diz o presidente do Sindicato de
Exportação e Importação do Paraná (Sindiexpar), Zulfiro Bósio.
“Não há solução mágica para superar restrições”, diz especialista
As empresas prejudicadas pelas restrições argentinas não têm muito
a fazer a não ser torcer pelo sucesso das negociações entre os dois países,
capitaneadas pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). O regime de
licenças não automáticas, adotado pela Argentina, é permitido pela Organização
Mundial do Comércio (OMC), desde que tais licenças sejam emitidas em até 60
dias.
Ainda que a Argentina descumpra esses prazos – o que já fez em
outras ocasiões –, só sofreria algum tipo de sanção se fosse acionada e
condenada na OMC. “O governo brasileiro pode até acionar o mecanismo de solução
de controvérsias do Mercosul ou da OMC, argumentando que as medidas distorcem o
livre comércio entre os países. Mas a solução demoraria anos, além de criar um
desgaste muito grande”, avalia André Luiz Bettega D’Ávila, advogado do setor de
Comércio Internacional da Andersen Ballão Advocacia.
Uma alternativa para o Brasil seria dar o troco na mesma moeda,
como fez no ano passado. Quando a Argentina retirou as licenças automáticas
para pneus, baterias e calçados, o governo brasileiro fez o mesmo em relação
aos automóveis fabricados no país vizinho, o que obrigou os argentinos a voltar
à mesa de negociações. “O problema de uma retaliação é que ela restringiria
ainda mais o fluxo de comércio, afetando as atividades de um grupo ainda maior
de empresas e mesmo de consumidores. Não há solução mágica”, diz D’Ávila.
Fernando Jasper | Gazeta do Povo
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