A reportagem da Gazeta do Povo acompanhou
durante 24 horas o cotidiano das 12 vilas do Bairro Uberaba que foram ocupadas,
à revelia da comunidade, por centenas de policiais

Os 23 mil moradores de um dos extremos do
Uberaba, em Curitiba, começaram a última quinta-feira sob cerco policial. Olhos
acesos de curiosidade viam pelas janelas dos ônibus as luzes do giroflex na
principal via de acesso à Vila Reno. O mesmo se dava em outras duas artérias do
conjunto de 12 vilas que naquele instante estavam sendo ocupadas pela Polícia
Militar e pela Guarda Municipal. Houve quem receasse a repetição da chacina de
2009. Não era o caso. Os moradores tardariam a descobrir que o governo do
estado simplesmente não avisou que, naquele dia, colocaria em prática o projeto
piloto da primeira Unidade Paraná Seguro (UPS), versão local das UPPs cariocas.
A presença de homens da Polícia Militar e da Guarda
Municipal, com pistolas e fuzis,
não alterou a rotina de orações da
Congregação Cristã no Brasil
Uma população surpresa com uma quantidade
jamais vista de policiais no bairro e uma rotina inalterada por causa disso foi
o que encontrou a reportagem da Gazeta do Povo, que acompanhou o cotidiano das
vilas do Uberaba durante 24 horas, das 19 horas de quinta-feira até as 19 horas
de sexta. Apesar dos cerca de 200 policiais e guardas municipais que circulavam
pelas ruas e vielas, as igrejas seguiram seus cultos normalmente, as famílias
não deixaram de sair à noite e os amigos continuaram a beber sua pinga ou
cerveja nos botecos. A maioria da população, salvo algumas lideranças
comunitárias, nem sequer sabia o que estava se passando.
Uma das apostas da cartilha da segurança
pública no Rio de Janeiro e meta do Paraná para diminuir a violência no estado,
a aproximação com a comunidade não foi colocada em prática logo na primeira das
UPSs. Avisar a população sobre a ocupação e conversar com os líderes
comunitários são pontos fundamentais para o sucesso das Unidades de Polícia Pacificadora
no Rio de Janeiro e regra de toda filosofia do policiamento comunitário.
Para Edna Paixão da Silva dos Santos, 43 anos,
uma das líderes comunitárias mais conhecidas na região da Vila Icaraí, a ação
iniciada na quinta-feira poderia ter colocado em risco a população. Segundo
ela, seus filhos, ao ouvirem o barulho das sirenes, correram para rua, como de
costume. “Quando acordei, ouvi o barulho. As crianças correram para rua para
ver tudo. Poderia ter ocorrido qualquer tiroteio. É preciso avisar a gente”,
afirma.
Segundo a assessoria de imprensa do governo, a
operação que iniciou a implantação da primeira UPS do estado não foi informada
aos líderes comunitários porque se trata de projeto piloto. De acordo com o governo,
nenhuma ação policial é antecipada à população. Mesmo contrariando a filosofia
do policiamento comunitário, o governo ressaltou que a ação no Uberaba não
causou constrangimentos a ninguém.
Na avaliação de um comerciante ouvido pela
reportagem, a abordagem pode até não ter causado constrangimento, mas não foi
eficiente. “Desse jeito não vão prender ninguém. Os caras [traficantes] estavam
hoje mesmo [sexta-feira de manhã] andando na rua aí em frente”.
Mesmo com o lapso governista, Edna elogia a
ação. “Os policiais precisam continuar aqui. Além disso, temos de ter mais
lazer, esporte, educação, limpeza dos bairros. Aqui há muito matagal, terreno
abandonado”, conta. O medo de Edna é um reflexo de quem já viu uma das suas
filhas quase ser sequestrada duas vezes no ponto do ônibus. “Tentaram levá-la,
mas o motorista do ônibus ajudou e deu tudo certo”, relata.
Por Mauri König,
Diego Ribeiro e Felippe Aníbal

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