Filha de pai etíope e mãe americana, Sara
Kebede já arrecadou mil pares.
Após uma viagem ao país, ela viu que muitos jovens treinavam descalços.
Sara com os tênis recolhidos nos EUA (Foto: Arquivo pessoal)
Quando fez 9 anos, a americana Sara Kebede passou a
se incomodar muito quando via as amigas do colégio jogando tênis seminovos no
lixo apenas porque queriam modelos mais novos. Ela tinha acabado de voltar de
uma viagem para a Etiópia, na África, onde viu crianças treinando corrida com
sapatos surrados, muito grandes ou até descalças. Aos 14 anos, Sara decidiu
arrecadar os calçados que as colegas desprezavam e enviar para as meninas
etíopes.
Sara distribui tênis em um clube de Addis Ababa, na primeira entrega que fez,
em dezembro (Foto: Arquivo pessoal)
Para realizar a doação, Sara montou na Califórnia
uma organização chamada Shoes for Sheba ('Sapatos para Sheba' - veja
o site, em inglês) e já arrecadou mais de mil pares, dos quais
250 foram enviados no fim de 2011 para a Etiópia, na primeira leva. A
viagem, em que ela foi acompanhada pelo pai e pela irmã, foi toda financiada
pelos pais de Sara, mas agora ela espera conseguir patrocínio para as próximas
entregas. Ela diz não saber se a organização vai conseguir se sustentar no
longo prazo. "Mas pelo menos sei que tentei fazer a diferença."
Sara corre com grupo que recebeu pares de tênis em Bekoji, na Etiópia
(Foto: Arquivo pessoal)
Veja a íntegra da entrevista com Sara:
G1 – Quando você nasceu e onde?
Sara – Eu nasci em Chapel Hill, na Carolina do Norte (EUA), em 31 de janeiro de
1995.
G1 – Seus pais são etíopes?
Sara – Meu pai é etíope, e minha mãe é americana. Meu pai veio para os EUA
quando tinha 19 anos para fazer faculdade e foi onde eles se conheceram.
G1 – Quando você começou a correr?
Sara – Eu comecei a jogar futebol quando tinha 4 anos e sempre conseguia correr
mais rápido e mais longe que as outras crianças. Quando eu tinha 5 anos corri
minha primeira prova de 5 km e a partir daí não parei até a 8ª série, quando me
juntei a meu primeiro time de cross country em Nova Jersey.
G1 – Quando você foi para a Etiópia?
Sara – Fui pela primeira vez em 2004, quando tinha 9 anos. Fomos de férias e
para visitar a família que ainda mora lá.
G1 – Como foi essa viagem? Como você se sentiu?
Sara - Eu gosto de dizer que a viagem para a Etiópia em 2004 foi a viagem da
minha vida. Foi uma experiência incrível em que, mesmo com pouca idade, aprendi
muitas lições. Foi lá que eu percebi como nós aqui nos Estados Unidos somos
afortunados e que talvez um dia eu possa fazer algo para ajudar as garotas na
Etiópia.
G1 – E existem muitos jovens que correm descalços
lá?
Sara – Não só existem muitos jovens etíopes que correm com sapatos grandes,
pequenos ou gastos demais, mas há um enorme número que simplesmente não tem
nenhum calçado. Eu mesma vi isso quando viajava pelo país.
G1 – Quando você teve a ideia da Shoes for Sheba?
Sara – A ideia começou há dois anos. Via meninas na minha escola jogando fora
tênis de corrida perfeitamente usáveis só porque queriam os modelos mais novos.
Pensei que esses pares novos jogados no lixo seriam preciosidades para meninas
na Etiópia e eu comecei a formular um plano para coletá-los e mandar para lá.
G1 – O que significa ‘Sheba’?
Sara – Eu dei o nome de Shoes for Sheba ('Sapatos para Sheba') por causa da
antiga rainha etíope Sheba [cujas tradições judaica e muçulmana mencionam como
governante da região da Etiópia e do Iêmen no século 10 A.C.].
G1 – Como foi a recepção do projeto na sua
comunidade?
Sara – Foi excepcional. Todo mundo tem sido generoso em doar os calçados e
querendo ajudar da maneira que podem.
G1 – Quais são suas principais dificuldades?
Sara – A principal dificuldade que encontrei até agora tem sido enviar os
calçados para a Etiópia. Mesmo que seja para caridade, pago uma taxa sobre eles
– que pode ser até o mesmo valor dos sapatos.
G1 - Você tem uma sede? Pretende ter?
Sara - Shoes for Sheba está fixada na minha casa por enquanto. Não tenho planos
para mudar isso num futuro próximo, mas se eu puder sustentar e a iniciativa
ficar bem maior, eu talvez precise pelo menos achar um local pra estocar os
tênis. Felizmente agora nós temos um quarto sobrando que é onde eu guardo os
calçados.
G1 – Como você manda os sapatos?
Sara – Fui pessoalmente fazer a primeira entrega em dezembro e foi maravilhoso,
um sucesso. Distribuímos para quatro grupos ao todo e a recepção foi ótima. O
corredor [etíope] Haile Gebrselassie [um dos fundistas mais importantes da
história, ele quebrou 27 recordes mundiais em provas de longa distância] foi
mestre de cerimônias de uma das entregas!
A partir de agora vou trabalhar para garantir um
método de envio, já que o custo pode ser alto, devo começar a procurar
financiadores para ajudar nos custos.
G1 – Os tênis são só para meninas?
Sara – Atualmente, meu foco é na coleta para meninas. Geralmente as meninas,
nos países africanos, têm menos oportunidades do que os meninos em relação à
educação e aos meios de sair da pobreza. Penso que dar calçados pode ser um
meio para que elas possam fazer algo por elas mesmas, tornando-se corredoras.
(...) Mas na última visita entregamos tênis para meninos também.
G1 - O que você quer estudar na faculdade? Quer ser
corredora profissional?
Sara - Eu planejo estudar neurociência na faculdade. Também planejo continuar
correndo na universidade, embora não tenha pretensões de ser corredora
profissional. Já que corro praticamente a minha vida inteira, só continuarei
correndo por prazer depois da faculdade.
Sobre o que farei com a Shoes for Sheba, meu plano é continuar. Eu gostaria de
ter mais garotas envolvidas no meu colégio, assim elas manteriam o esforço e eu
conseguiria coordenar as coisas da faculdade.
G1 - Os etíopes são mesmo os melhores corredores do
mundo?
Sara - A história e os livros de recordes com certeza mostram que a Etiópia
produziu alguns dos melhores corredores de longas distâncias que o mundo já
viu. Eu não sei o porquê disso - se é genético ou não - mas eu acredito que a
os corredores etíopes estão entre os melhores do mundo.
G1 – Como você se sente organizando tudo isso?
Sara – Eu me sinto muito bem a respeito do que estou fazendo. É tão fácil
apontar problemas, mas a maioria das pessoas não pensa que poderia fazer
qualquer coisa para fazer a diferença. Se a Shoes fo Sheba será um sucesso a
longo prazo ou não eu não sei, mas pelo menos eu sei que tentei fazer a
diferença.
Por Giovana Sanchez