Gaeco alertou Corregedoria há 6 meses sobre uso particular de
viaturas da Polícia Civil. Sem providências, irregularidade continuou

Avisado do uso irregular de viaturas, o corregedor Paulo Ernesto nada
fez,
porque ele também dispõe de uma para fins particulares
A Corregedoria-geral da Polícia Civil do Paraná já havia sido informada há seis
meses que viaturas da corporação vinham sendo usadas para fins particulares. O
alerta foi dado por meio de ofício pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao
Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público Estadual responsável pelo
controle externo das polícias. Nenhuma providência foi adotada, como constatou
a reportagem da Gazeta do Povo ao flagrar delegados, escrivães e investigadores
usando esses carros oficiais para ir às compras, levar os filhos à escola e até
para ir a casas de prostituição.
“Há meses expedi ofício ao corregedor geral da polícia [Paulo
Ernesto Araújo Cunha], dizendo que nós vínhamos recebendo questionamentos ou
ponderações de várias pessoas, de promotores, que veículos de uso oficial
estavam sendo mal utilizados”, disse ontem à reportagem o coordenador estadual
do (Gaeco), o procurador de Justiça Leonir Batisti. “Isso pode configurar ato
de improbidade administrativa. É verdadeiramente ilegal o sujeito pegar o carro
que é profissional para levar filho ou filha para escola ou para ir à padaria”,
ressaltou.
Comissionado
Chefe de gabinete do delegado-geral usa Ecosport da corporação
Às 18 horas do dia 8 de março, Roberto Assis Martins Mendes sai da
sede da Polícia Civil, no centro de Curitiba. Com a viatura descaracterizada
Ecosport preta, placa BBU-0686, vai até uma loja de materiais de construção
próxima da rodoferroviária, compra algumas coisas e coloca no carro. De lá,
segue para a casa dele em Pinhais. Vinte minutos depois, deixa a residência já
com a roupa trocada e vai com a viatura a uma quitanda comprar frutas, em
companhia da esposa.
Policial aposentado, Roberto é contratado como cargo comissionado.
Chefe de gabinete do delegado-geral da Polícia Civil, Marcos Vinicius
Michelotto, ele o acompanha desde que o chefe era secretário municipal de
Defesa Social de Curitiba, em 2010. Roberto usa a viatura em tempo integral e
costuma deixá-la estacionada em frente de casa.
Reunião de hoje avaliará as mudanças
Esta segunda-feira promete ser um dia decisivo para a segurança
pública do Paraná, em especial para a Polícia Civil. O governo do estado vai se
reunir para tratar das mudanças anunciadas na semana passada no fundo rotativo,
a verba destinada à manutenção das delegacias. Entretanto, outro assunto deve
entrar na pauta de discussões: o uso pessoal de carros oficiais por uma parte
da cúpula da Polícia Civil. “A reunião já estava marcada. Evidentemente este
assunto [as viaturas em desvio de função] deve ser discutido”, disse o
secretário especial de Corregedoria do Estado, Cid Vasques. A reunião deve
reunir o secretário de Segurança Pública, Reinaldo de Almeida César, a cúpula
da Polícia Civil e outros setores administrativos do governo do estado.
Além de avaliar o impacto das denúncias apresentadas pela Gazeta
do Povo, a reunião deve ser de tomada de decisões. Vasques, no entanto, deu
indícios de que o governo deve optar pela cautela ao tratar dos envolvidos.
“Vamos ter que avaliar caso a caso, tentar verificar a procedência de cada
denúncia, até para que não sejam cometidas injustiças, e vamos ter que analisar
toda a estrutura jurídica para agir”, disse o corregedor do estado.
Em uma mensagem postada no Twitter na tarde de sábado [quando a
Gazeta do Povo já circulava em Curitiba], o delegado-geral Marcus Vinícius
Michelotto, chefe da Polícia Civil, prometeu punições. “Tomarei medidas firmes
com relação ao uso de viaturas com fim particular. É inadmissível”, disse. A
reportagem tentou falar com Michelotto, mas ele não atendeu as ligações.
Filho reproduz mau exemplo do pai delegado
Chefe da Divisão de Infraestrutura da Polícia Civil, o delegado
Benedito Gonçalves Neto é outro integrante do alto comando da corporação que se
prevalece do cargo para usar carro oficial com fins particulares. Atualmente,
dispõe do Volkswagen Bora placa ATB-8208, que até um mês atrás era usado pelo
delegado-geral-adjunto, Francisco José Batista da Costa. Antes, Benedito
dispunha do Renault Logan BAO-5563, com o qual a reportagem o flagrou indo às
compras no dia 28 de fevereiro.
O delegado saiu do trabalho, seguiu direto até o Mercadorama do
bairro Cabral e depois foi para casa, na Rua Belém, a poucas quadras dali. A
prática é recorrente e ele usa a viatura descaracterizada para fazer o trajeto
de casa para o trabalho, e vice-versa. Benedito tem em seu histórico outros
flagrantes de mau uso de carros oficiais, e passa o mal exemplo para
familiares.
Dia 4 de junho de 2011, o filho de Benedito, Tiago Tachir
Gonçalves, dirigia uma viatura descaracterizada quando foi parado numa blitz do
Batalhão de Polícia de Trânsito (Bptran), na Avenida Munhoz da Rocha, no
Cabral. Na ocasião, o Renault Logan usava a placa reservada AXA-9407. Tiago não
é policial, mas ainda pôs sobre o carro a sirene de polícia numa tentativa de
não parar na blitz. Não adiantou. Benedito compareceu tão logo foi chamado pelo
filho. O assunto foi encerrado ali mesmo, sem abertura de qualquer instrução
pela Corregedoria da Polícia Civil.
Declarações
“Há meses expedi ofício ao corregedor geral da polícia dizendo que
vínhamos recebendo questionamentos ou ponderações de várias pessoas, de
promotores, que veículos de uso oficial estavam sendo mal utilizados”
Leonir Batisti, coordenador estadual do Gaeco.
“Tomarei medidas firmes com relação ao uso de viaturas com fim particular. É inadmissível.”
Marcus Vinicius Michelotto, delegado geral, via Twíter.
O procurador disse que pediu ao corregedor da Polícia Civil que
expedisse um aviso ou recomendação alertando que os veículos são de uso
exclusivo para o trabalho policial. “A reportagem vai nos dar o mote para botar
o dedo na ferida. Temos lutado contra isso”, disse Batisti. O silêncio da
Corregedoria explica porque ninguém é punido.
Denúncia ignorada
Influenciados pelo mau exemplo dos superiores hierárquicos,
escrivães e investigadores da Polícia Civil também se sentem autorizados a usar
bens públicos conforme suas conveniências. Um caso em especial revela as
escaramuças do uso particular de carros oficiais. Incomodado com a cadeirinha
de criança instalada no banco traseiro de uma viatura descaracterizada, um policial
formalizou dia 10 de janeiro uma denúncia à Ouvidoria Geral do Estado. “Criança
também pode ser policial?”, ironizou. “Outro dia flagrei duas crianças com
mamãe policial nessa mesma viatura.”
O veículo em questão é o Renault Clio ALW-4030, que passa as
tardes na Rua Barão do Rio Branco, centro de Curitiba. Depois de uma tarde
inteira ociosa, estacionada em local proibido, a viatura é retirada às 18
horas, mas não para uma atividade policial. Em meia hora, entra pelo portão do
Colégio Santa Maria, no bairro São Lourenço. Mochila às costas, as crianças
entram no carro. Em 20 minutos estão em casa. A viatura que falta ao trabalho
policial está agora na garagem de Elizabeth Lemos Leal, chefe do Setor de
Projetos do Grupo Auxiliar de Planejamento (GAP) da Polícia Civil.
Essa é a rotina da viatura que deveria estar a serviço do cidadão,
com a ciência do alto comando da Polícia Civil, conforme revela documento
secreto repassado à reportagem por um informante lotado na Corregedoria. A
denúncia feita pelo investigador foi levada à Ouvidoria da Polícia Civil,
transitou por outros dois setores até chegar ao chefe da Divisão de
Infraestrutura, delegado Benedito Gonçalves Neto, depois ao corregedor geral da
Polícia Civil, delegado Paulo Ernesto Araújo Cunha, e por fim ao chefe do GAP,
delegado Luciano de Pinho Tavares.
Depois desse trâmite, em 17 de fevereiro Luciano pediu uma
resposta a Elizabeth. Ela disse que passou a usar a viatura em maio de 2011,
quando assumiu o Setor de Projetos. Ressaltou que essa e outra viatura, um Gol,
estão à disposição do GAP para qualquer servidor usar quando for de “interesse
laboral, mediante sempre da autorização da chefia”. Na defesa, escreveu: “Em
momento algum transportei cadeirinhas de crianças, bem como estas dentro da
viatura nos momentos que as utilizei”. Um dia depois, 24 de fevereiro, o chefe
do GAP se manifestou.
“Não acredito que a mesma [Elizabeth] tenha em algum momento
utilizado uma ‘cadeirinha de criança’ na viatura, pois é uma servidora
responsável, cumpridora de seus deveres, não tendo esta chefia nenhuma
reclamação contra a mesma, ao contrário, só posso tecer elogios, tendo em vista
o comportamento ético e exemplar demonstrado pela servidora policial civil”,
diz o despacho do delegado à Corregedoria. A resposta não poderia ser
diferente, sendo ele um dos responsáveis pelo mau exemplo no uso de carros
oficiais.
O delegado Luciano de Pinho Tavares usa em seu proveito próprio o
Gol BBM-3153, o delegado Benedito Gonçalves Neto usa o Logan BAO-5563, o
corregedor Paulo Ernesto Araújo Cunha usa o Renault Fluence ASE-7620. Assim,
tudo voltou à normalidade, como revelam os seis flagrantes que a reportagem
registrou de Elizabeth. A viatura continua ociosa, para as 18 horas ir buscar
as crianças na escola e passar a noite na garagem de Elizabeth, numa rotina que
se repete dia após dia.
Por Mauri König, Diego
Ribeiro, Felippe Aníbal e Albari Rosa
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